Após atravessar continentes, resistir a guerras e sobreviver ao tempo, um dos mais raros manuscritos bíblicos medievais do mundo retorna a Israel, onde agora poderá ser apreciado pelo público em uma exposição histórica. A jornada dessa relíquia sagrada, que remonta ao século X, é marcada por deslocamentos silenciosos, mistérios não revelados e um valor espiritual e cultural incalculável.

O artefato, conhecido como o “Códice Sassoon”, é considerado a Bíblia hebraica mais antiga e completa em existência. Escrito em pergaminho, com caligrafia meticulosa em hebraico, o códice reúne quase integralmente os 24 livros do Tanakh — o cânone da Bíblia hebraica — em uma estrutura surpreendentemente bem preservada. Mais do que um texto religioso, trata-se de um documento que testemunha séculos de tradição, exílio, resistência e preservação da identidade judaica.

Por séculos, a localização do códice foi incerta. Passando pelas mãos de colecionadores privados, ocultado por famílias e atravessando períodos históricos turbulentos, sua história é fragmentada, mas fascinante. De Aleppo à Europa, do anonimato ao estrelato acadêmico, cada capítulo da trajetória do manuscrito revela a profundidade com que a história da Bíblia se entrelaça com a própria história da diáspora judaica.

Sua chegada a Israel marca não apenas um retorno físico, mas também simbólico. Exposto ao público em uma das principais instituições culturais do país, o códice representa uma reconexão entre o passado e o presente. É como se, depois de mil anos, o texto finalmente encontrasse repouso em sua terra natal — e com ele, toda uma narrativa de sobrevivência e fé.

O retorno da Bíblia medieval desperta debates relevantes sobre patrimônio, memória e pertencimento. Em um mundo onde obras de valor histórico são frequentemente leiloadas ou mantidas em acervos privados, a repatriação de um manuscrito dessa magnitude é, por si só, um gesto político e cultural. Ela levanta a discussão sobre o destino de peças-chave da herança mundial, muitas das quais permanecem distantes de seus contextos originais.

Para o povo israelense, e para estudiosos de todo o mundo, o códice oferece não apenas um vislumbre do texto sagrado, mas também uma oportunidade de contato com uma obra que atravessou gerações sem perder sua essência. Suas páginas, adornadas por pequenas anotações marginais e marcas de uso, narram silenciosamente a devoção de mãos anônimas que o protegeram, copiaram e reverenciaram ao longo dos séculos.

A exposição do códice em solo israelense, aberta ao público, representa mais do que uma exibição museológica: é um reencontro com raízes espirituais, uma chance de testemunhar a materialidade da fé e a resiliência de uma cultura que, mesmo dispersa, nunca se perdeu.

O retorno do “Códice Sassoon” é, portanto, uma vitória da história sobre o esquecimento, da identidade sobre o exílio. Uma Bíblia que, ao fim de sua longa peregrinação, volta não apenas como um livro, mas como um símbolo vivo de memória, resistência e esperança.

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